Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire
Resenha Crítica-Zélia Maria Mirek[1]
Paulo Freire pensa a existência. É um pensador
comprometido com a vida. Em seu livro Pedagogia do Oprimido reporta-se
aos cinco anos que passou no exílio. Apresenta um papel de conscientização para
uma educação realmente libertadora. A prática da liberdade só encontrará
adequada expressão numa pedagogia em que oprimido tenha condições de
reflexivamente, descobrir-se e conquistar-se como sujeito de sua própria
destinação histórica. Em sua escrita ressalta o direito do ser humano, o
trabalho livre e a afirmação da pessoa. Algumas contradições se fazem presente,
quando relaciona os oprimidos e opressores, quando a violência desumaniza os
opressores, passando aos oprimidos a condição de lutar contra quem os fez
inferiores. Uma luta que somente tem sentido quando os menores buscam a sua
humanidade. “a violência dos opressores, que os faz também desumanizados, não
instaura outra vocação - a do ser menos” (p.30).
A Pedagogia do Oprimido apresenta-se como pedagogia do
homem. Onde somente ela pode se fazer generosa, verdadeira, humanista e não
"humanitarista", tudo para alcançar os objetivos. Diferente da
Pedagogia que surge dos interesses pessoas e egoístas dos opressores,
disfarçada na falsa generosidade. “Quem, melhor que os oprimidos, encontrarão
preparados para entender o significado terrível de uma sociedade opressora?” (p
31).
A pedagogia humanizadora somente será possibilitada,
quando houver a união entre teoria e prática. Entre a liderança revolucionária
e os que estabelecem uma relação dialógica. Alcançando esta fase busca saber da
realidade. Assim a presença dos oprimidos na busca de sua libertação, mais que
falsa participação, é o que dever ser: engajamento. “A pedagogia do oprimido
que, no fundo, é a pedagogia dos homens empenhando-se na luta por sua
libertação, tem suas raízes aí. E tem que ter nos próprios oprimidos, que se
saibam ou comecem criticamente a saber-se oprimidos, um dos seus
sujeitos.”(p.40)
A situação concreta de opressão e os opressores, é que
os opressores de ontem não se reconhecem em libertação. “Pelo contrário, vão
sentir-se como se realmente estivessem sendo oprimidos” (p.44). Esta violência
passa de geração a geração, tornando-se legatários e formando o clima geral.
Na situação concreta de opressão e os oprimidos, “há
em certo momento da experiência existencial dos oprimidos, uma irresistível
atração pelo opressor”. Pelos seus padrões de vida. Participar destes padrões
constitui uma incontida aspiração. Na sua alienação querem, a todo custo,
parecer com o opressor. Imitá-lo. Segui-lo. Isto se verifica, sobretudo, nos
oprimidos de “classe média”, cujo anseio é ser iguais ao “homem ilustre” da
chamada “classe superior”. (p.49).
Ninguém liberta ninguém, ninguém liberta sozinho: Os
homens se libertam em comunhão e “somente quando os oprimidos descobrem,
nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação,
começam a crer em si mesmos, superando, assim, sua “convivência” com o regime
opressor” (p.52). O movimento para a liberdade deve surgir a partir dos
próprios oprimidos, e a pedagogia decorrente será a que tem forjado e esteja
inserida na luta incessante de recuperação de sua humanidade.
Em uma critica a concepção “bancária” da educação como
instrumento da opressão, Paulo Freira escreve que o educador é o sujeito,
conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a
narração os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem enchidos pelo
educador (p.57). A doação manifesta nos instrumentais de ideologia da opressão
a pura absolutização da ignorância, que se constitui da alienação da
ignorância. E na concepção problematizadora e libertadora da educação, Freire
aponta que a ”A educação “bancária”, em cuja prática se dá a inconciliação
educador- educandos rechaça o companheirismo. Na educação bancária o educador é
sempre o que sabe, enquanto os educandos serão os que não sabem. A rigidez
destas posições nega a educação e o conhecimento como processo de busca. E é
lógico que seja assim. No momento em que o educador “bancário” vivesse a
superação da contradição já não seria mais “bancário”(p.68).
Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens
se educam entre si, mediatizados pelo mundo, “em verdade, não seria possível à
educação problematizadora, que rompe com os esquemas verticais característicos
da educação bancária, realizar-se como prática da liberdade, sem superar a
contradição entre o educador e os educandos. Como também não lhe seria possível
fazê-lo fora do diálogo” (p.68). Em outro momento Paulo Freire escreve que
educar é impregnar de sentido o que fizemos a cada instante. E aí estamos
diante de uma educação prática de liberdade e talvez de uma nova escola. Uma
escola com proposta de atingir as necessidades e interesses dos alunos,
formando um homem contemporâneo dispostos a aprender, a conhecer, a descobrir,
formando adultos que façam a mediação do conhecimento, oportunizando, além da
aprendizagem cognitiva, tornar as relações sociais importantes estruturando uma
personalidade saudável. Neste sentido é importante perceber que Freire introduz
o conceito de consciência, como exercício intencional de compreensão da
realidade.
“A concepção e a prática “bancárias”, imobilistas,
“fixistas”, terminam por desconhecer os homens como seres históricos, enquanto
a problematizadora parte exatamente do caráter histórico e da historicidade dos
homens” (p 72), com uma necessidade de educação permanente para transformar a
realidade, devendo então mudar as relações dentro da escola e a forma os
conteúdos e as práticas são desenvolvidas no espaço escolar.
A necessidade de rever a educação e a forma como
ocorre o diálogo entre os envolvidos, pois não há diálogo sem um profundo amor
ao mundo e aos homens. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de
criação e recriação, se não há amor que a infunda.
Neste ponto, Freire (p.83) aponta que a “a inquietação
em torno do conteúdo do diálogo é a inquietação em torno do conteúdo
programático da educação”. Para o educador-educando, dialógico,
problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma
imposição – um conjunto de informes a ser depositado nos educandos -, mas a
devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos
que este lhe entregou de forma desestruturada. Educar neste momento é desejar
avançar, colocar-se em movimento de abertura ao novo, para as dúvidas, para o
novo saber.
A falta de uma compreensão crítica para captar em
“pedaços nos quais não reconhecem a interação constituinte da mesma totalidade”
(p.95), considerando sempre a evolução do homem. Contudo, o papel da Escola
precisa ser constantemente repensado; ela precisa se reposicionar frente ao
dinâmico e complexo sistema de valores de uma sociedade. É sabido que a
educação deve ser norteada pelo foco na aprendizagem, no "aluno" e
seu contexto.
Na investigação temática, que se dá no domínio do
humano e não no das coisas, não pode reduzir-se a um ato mecânico (p.100). Faz
necessário investigar e rever as visões da realidade, ou seja, a totalidade,
instituindo o tema gerador. È o pensar da própria condição de existir para
investigar a temática, trabalhando em equipes interdisciplinares, observando os
pontos fixados pelos vários investigadores encontrando as situações limites que
envolvem o tema. A investigação da temática envolve investigação do próprio
pensar. Pensar que não se dá fora dos homens, nem num homem só, nem no vazio,
mas nos homens e entre os homens, e sempre referidos a realidade. O método
Paulo Freire não ensina a repetir aquilo que já existe. Seu método coloca o
alfabetizando em condições de poder existir criticamente as palavras de seu
mundo, para na oportunidade devida, saber e poder dizer a sua palavra.
E
quando “não é possível o diálogo com as massas populares antes da chegada ao
poder, porque falta a elas experiência do diálogo, também não lhes é possível
chegar ao poder, porque lhes falta igualmente experiência dele” (p.134). Para
Freire vale para a palavra o mesmo que para a realidade: a dimensão da ação e a
dimensão da reflexão, sem dimensão da ação tem-se o verbalismo, sem a reflexão
o ativismo. A palavra é ato libertador, controlá-la sobre palavra-mundo, torna
a chave essencial de domínio dos mecanismos de poder.
Neste sentido, a conquista crescente do oprimido pelo
opressor aparece como um traço marcante da ação antidialógica e sendo a ação
libertadora dialógica em si, não pode ser o diálogo uma a posteriori seu, mas um
concomitante dela. Mas, como os homens estarão sempre se libertando, o diálogo
se torna um permanente da ação libertadora, com o desejo de conquista, maior
que o próprio desejo. “A necessidade da conquista acompanha a ação
antidialógica em todos os seus momentos”.
Nesse ponto, a solidariedade nasce no testemunho que a
liderança dá ao povo, no encontro humilde, amoroso e corajoso. Nem todos tem a
mesma coragem, porém, na medida em que, as minorias, submetendo as a maiorias a
seu domínio, as oprimem, dividi-las e mantê-las divididas são condição
indispensável à continuidade de seu poder.
Toda a ação cultural é sempre uma forma “sistematizada
e deliberada de ação que incide sobre a estrutura social, ora no sentido de
mantê-la como está ou mais ou menos como está, ora no de transformá-la” (p.
183), para que “finalmente, a invasão cultural, na teoria antidialógica da
ação, sirva de manipulação que, por sua vez, serve à conquista e esta à
dominação, enquanto a síntese serve à organização e sesta à libertação”.
Conclusão
O trabalho de Paulo Freire, em Pedagogia do Oprimido,
pode ser visto como um processo de conscientização, um tema que leva em
consideração a natureza política da educação. O autor adverte que vivemos em
uma sociedade onde se destacam os opressores e os oprimidos, situação que
precisa ser modificada e cada sujeito deve buscar a superação de seus problemas
com criatividade.
Para o autor, o objetivo da educação deveria ser a
liberdade, que resultaria na transformação social e no conhecimento crítico do
mundo, fazendo ressaltar o direito do ser humano, a liberdade ao trabalho e a
afirmação das pessoas. E quando se trata jovens e adultos, estes devem ter a
consciência de que é possível mudar, deixando de ser oprimidos e passando a
serem agentes transformadores.
Ao ressaltar a educação “bancária”, percebe-se a
manipulação de pensamentos com um único objetivo oprimir. E ao afirmar que
“Ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho’, ele quer dizer que os
indivíduos não são caixas onde se deposita conhecimentos, mas sim uns seres que
podem recriar e transformar o mundo com o seu novo conhecimento”.
Bibliografia
FREIRE,
Paulo. Pedagogia do oprimido. 26ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
[1] Professora
de Contabilidade. Coordenadora do Curso de Ciências Contábeis- IESA-Instituto
Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo-Acadêmica de Licenciatura em
Pedagogia a Distância LPD - UFPEL Polo Cerro Largo Endereço eletrônico -. zeliamirek@via-rs.net